A Justiça reconheceu que os bancos podem ultrapassar o limite legal de 30% dos rendimentos dos seus clientes, e podem descontar esses valores direto de suas contas.
A decisão é do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tende a ser adotada por juízes de todo o Brasil.
Entenda a decisão do STJ
Por meio do julgamento de recursos repetitivos – quando o STJ define uma tese que deve ser aplicada a vários processos que discutem questões idênticas – foi julgado que os bancos podem, sim, descontar mais do que o previsto na Lei do Empréstimo Consignado.
A decisão do STJ tem origem no julgamento de 3 processos.
Em um deles, uma cliente do Banco do Brasil ajuizou uma ação para impedir o banco de descontar mais de 30% dos seus rendimentos líquidos em sua conta corrente para quitar as parcelas de seus vários empréstimos.
Com esta decisão, o entendimento definitivo do STJ sobre o assunto passa a ser que o limite de 30% se aplica apenas aos empréstimos consignados em folha, não aos outros tipos de operações de crédito, que são descontados diretamente da conta dos clientes bancários.
De fato, com a decisão continua valendo o limite de 30% para consignados e 35% quando se considera os 5% adicionais do cartão de crédito consignado.
O desconto sem limites, claro, vai depender da autorização prévia do devedor.
No julgamento do STJ, o advogado da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) justificou em sua defesa que houve um aumento da inadimplência no Brasil.
Segundo ele, no período de março a dezembro de 2020, foram renegociados 17 milhões de contratos, num valor total de 1 trilhão de reais.
Isso justificaria uma decisão mais favorável aos bancos.
Afinal de contas, sabe-se que quando os bancos têm prejuízo com inadimplência, acabam repassando esse custo para o cliente final, na forma de juros e tarifas mais altas.
Como ficam os devedores?
O grande risco desse tipo de decisão é que será possível o banco descontar até 100% dos rendimentos de seus clientes na conta corrente.
No caso dos empréstimos consignados, fica valendo a Lei, ou seja, deve-se observar o limite de 30%, ou 35%, conforme dito acima.
Mesmo por meio de ação judicial, dificilmente alguém consegue fazer parar os descontos em folha de empréstimo consignado.
Só em casos de fraude ou alguma irregularidade grave no contrato.
Agora, os descontos dos outros tipos de empréstimos vão depender da concordância prévia do devedor.
E, partir desta decisão, o cliente fica impossibilitado de solicitar o cancelamento dos descontos.
Contudo, isso não impede um outro fenômeno grave. E aqui está o ponto muito negativo da decisão do STJ.
Esse tipo de decisão vai contribuir ainda mais para o superendividamento das famílias brasileiras.
Como a educação financeira não é o forte aqui no Brasil, as pessoas tendem a fugir de situações de crise financeira buscando a ajuda dos bancos. Muitas vezes, adotam uma solução que é ilusória, pois acabam se endividando cada vez mais.
Sem o limite de 30%, poderá ser comum a situação de pessoas com 100% da renda líquida bloqueada para pagamento de empréstimos.
Infelizmente, a decisão do STJ está na contramão daquilo que se espera de políticas públicas de combate ao superendividamento no Brasil.
A esperança está justamente em que o Poder Judiciário passe a aplicar de forma correta o que está previsto na recente lei do superendividamento, Lei 14.181/2021.
Esta lei prevê uma série de medidas justamente para prevenir e combater situações que, pelo visto, a recente decisão do STJ acabará por fomentar ainda mais.