Como os juros abusivos afetam a vida do empresário brasileiro e o que fazer para lidar com esse mal que compromete o crescimento do país?
O empresário brasileiro, do pequeno comércio de vila ao grande conglomerado, vive na pele as mazelas dos juros abusivos.
Praticamente todos os grandes bancos brasileiros praticam juros abusivos em suas operações e as empresas que, em algum momento, precisam dos bancos para salvar seus negócios ficam reféns dessa prática.
Eu escrevi este artigo como um guia para você que é empresário e quer aprender a combater os juros abusivos.
Sim, é possível combater essa prática dos bancos.
A crença de que os bancos são gigantes que têm um poder sobre seus clientes é só parcialmente verdadeira.
Esse poder, apesar de ser real, não é absoluto e é possível traçar estratégias para lidar com os bancos e seus juros abusivos.
Nesta publicação, você vai entender quando os juros podem ser considerados abusivos e o que pode ser feito para combater esse mal, que afeta a vida do empresário brasileiro.
Os juros abusivos são uma realidade no Brasil
Historicamente, o custo das operações de crédito no Brasil é bastante elevado, em patamares muito superiores aos da média mundial.
Há algumas sérias distorções em nosso mercado que garantem que os bancos continuem a praticar juros abusivos.
O retorno sobre o patrimônio dos bancos brasileiros (return over equity ou ROE) é o dobro da média mundial.
Isso garantiu aos bancos um lucro líquido, em 2019, que bateu todos os recordes dos anos anteriores, que já apresentaram números estarrecedores.
Veja o quadro abaixo que dispõe o lucro líquido em bilhões de reais:
E sabe o que é surpreendente nisso?
A taxa Selic percebemos está em queda desde 2017.
Em maio de 2020, em plena crise do Coronavírus, a taxa Selic foi definida em 3%.
Há uma expectativa que seja anunciado ainda hoje (16/06/20200) uma redução da Selic para 2,25%. 😱
Apesar disso – e talvez por causa disso – os bancos seguem obtendo resultados cada vez mais expressivos.
Perceba que quando uma curva cai (Selic) a outra sobe (lucro dos bancos).
Pode ter certeza que essa relação entre Selic baixa e bancos concedendo mais créditos, renegociando dívidas e abaixando os juros não corresponde à realidade do mercado financeiro brasileiro.
Há uma equação um pouquinho mais complicada para explicar a lucratividade dos bancos.
Quando podemos dizer que os juros são abusivos?
Uma taxa de juros adotada pelo banco é considerada abusiva pelo Poder Judiciário quando ela ultrapassa excessivamente a média de mercado.
A taxas médias do mercado são apuradas pelo Banco Central e podem ser consultadas diretamente no site do Banco Central.
Apesar de não haver consenso, em muitos casos já são considerados juros abusivos aqueles que ultrapassam em 50% a média de mercado.
Este é um percentual frequente que encontramos em decisões judiciais considerando a cobrança abusiva.
Contudo, não são incomuns decisões judiciais favoráveis aos devedores, mas que consideram os juros abusivos apenas quando é praticada uma taxa 2 ou até 3 vezes acima da média do mercado.
Essas decisões são baseadas no argumento de que o Banco Central faz uma apuração da média de mercado, mas é preciso avaliar circunstâncias particulares para determinar a taxa referente a cada caso.
O problema desse argumento
Esse argumento de que é o mercado que deve regular as taxas de juros parece coerente, uma vez que estamos lidando com empresas num ambiente de mercado livre.
Mas existe um problema nesse argumento que não pode ser ignorado: 5 bancos praticamente dominam o mercado.
É a baixa competitividade do mercado financeiro que torna possível que os bancos pratiquem juros abusivos, mesmo com a taxa Selic baixa.
No Direito Concorrencial chamamos isso de “abuso da posição dominante.”
Os bancos seguem batendo recordes de lucratividade, porém às custas de uma quase extorsão da atividade produtiva.
Se pensarmos bem, são os empresários brasileiros que garantem os resultados extraordinários dos bancos.
Como combater os juros abusivos?
Não há problema algum que os bancos tenham lucro.
No caso brasileiro, porém, é evidente que há uma distorção que precisa ser corrigida.
As taxas médias precisam vir para patamares civilizados, que de fato permitam que a atividade produtiva desenvolva o seu potencial.
Infelizmente, os bancos, em especial os grandes, não têm motivos para diminuir a sua lucratividade no atual cenário econômico.
É necessário que outros agentes do mercado tomem iniciativas, em nome do desenvolvimento nacional, para que estas distorções sejam corrigidas.
E já temos alguns avanços neste sentido.
O próprio Banco Central tem tomado algumas medidas para aumentar a competitividade entre os bancos, ainda que de forma tímida.
Uma destas medidas é a regulamentação da atuação mais efetiva das fintechs, que trabalham com inteligência de dados.
Ao fazer um uso inteligente da tecnologia, as fintechs conseguem produzir uma gestão de risco mais precisa.
Dessa forma, garantem um custo mais baixo do dinheiro e com índices de inadimplência adequados.
As Sociedades de Crédito Direto e as Sociedades de Empréstimo entre Pessoas também têm uma atuação que tende a enfraquecer a posição dominante que os grandes bancos exercem atualmente.
Outra iniciativa importante, e que merece ser acompanhada, é o que se denomina open banking, que permite aos usuários o total controle sobre seus dados bancários.
Incluem-se aí histórico de crédito, movimentações financeiras e tudo mais.
Estas informações hoje estão nos bancos de dados das instituições financeiras, que passam a ser obrigadas a disponibilizá-las a seus usuários.
É importantíssimo que os bancos sejam obrigados a disponibilizar estas informações, pois a partir delas é possível que as empresas obtenham condições mais vantajosas para seus negócios de crédito.
Tudo isso contribui para que os bancos hoje dominantes no mercado revejam suas práticas de juros abusivos.
Porém não são ainda iniciativas suficientes.
Juros abusivos: o que o empresário pode fazer hoje?
Tenho afirmado em minhas aulas e palestras que resistir e enfrentar a ganância dos bancos é uma atitude cívica.
O empresário pode fazer isso do ponto de vista coletivo, se organizando e cobrando políticas mais transparentes e justas no tocante às práticas do mercado financeiro.
Mas também pode fazer isso individualmente, com relação ao relacionamento que suas empresas têm com os bancos.
Informações adequadas
A primeira coisa que o empresário pode fazer é munir-se de informações adequadas.
É possível fazer um levantamento prévio do histórico das médias do mercado e verificar se a proposta do banco não é abusiva.
Ao verificar essa média, o empresário tem maior poder de barganha, uma vez que pode sempre contratar o que oferecer a melhor taxa de juros.
Análise do contrato
Outra providência importante é fazer uma análise criteriosa do contrato com o banco.
Verifique se mesmo cobrando taxa de juros menor, não está sendo embutida uma venda casada.
Produtos como títulos de capitalização, seguros, contratação de uma previdência privada ou aplicação em algum ativo do banco são colocados como condição ao cliente para obter o empréstimo ou financiamento desejado.
Esses produtos secundários podem mascarar o encarecimento do contrato principal, com uma suposta oferta de juros mais amigáveis.
Cuidado com os refinanciamentos
Outro cuidado que o empresário deve tomar é com as negociações com fins de refinanciar as dívidas.
Como os valores tomados pelas empresas são mais expressivos, pequenos abusos cometidos num primeiro contrato tornam-se gigantes após 3 ou 4 refinanciamentos da dívida.
Deixe-me explicar melhor essa situação.
Suponha que o banco cobre uma taxa de juros dentro da média, mas cobre algumas tarifas indevidas e embuta produtos que encarecem o preço do empréstimo.
O empresário atrasa algumas parcelas, e é cobrada multa e juros de mora (que são altos, por sinal).
Indo ao banco, o empresário refinancia a dívida, com parcelas que ele consiga cumprir.
O problema está em que no refinanciamento, é possível que o banco embuta novamente os custos extras do contrato inicial.
Daí imagine esse empresário refinanciando essa dívida mais umas 3 ou 4 vezes e o banco, a cada nova operação, cobrando as mesmas tarifas novamente e ainda embutindo outras “vendas casadas”.
O custo disso, ao final, fica grande e o empresário não se dá conta de que está pagando pelo mesmo produto várias vezes.
A alternativa da via judicial
Infelizmente, em alguns casos, a única alternativa do empresário é apelar para a via judicial.
Quando o banco impõe juros e condições abusivas nos contratos e é intransigente na negociação, o empresário pode buscar seus direitos por meio de uma decisão judicial.
Claro, tudo tem que ser avaliado com muito cuidado, pois ações judiciais envolvem custos adicionais e podem ser demoradas.
Há um custo-risco-benefício que precisa ser bem calculado, para não meter os pés pelas mãos e encontrar uma solução que acabe saindo mais cara.
Em resumo
A cobrança de juros e imposição de cláusulas contratuais abusivas são prática comum entre os grandes bancos.
Para lutar contra isso, o empresário precisa de duas ferramentas: informação e apoio técnico.
Isso vai ajudar não só na eventualidade de uma ação judicial, mas principalmente em conseguir excelentes resultados apenas com as soluções negociadas.
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