
Será que existe mesmo a tal lista negra para devedores de bancos?
Me permita descrever uma situação muito comum aqui no escritório.
João P. é um servidor público que deve 300 mil reais a um grande banco, por conta de um empréstimo que ele fez há um ano.
Na verdade, 300 mil é o valor que o banco diz que ele deve, mas João não entende como o valor pode ser tão alto.
Isso porque ele tomou um empréstimo inicial de 120 mil reais e em um ano a dívida se tornou um monstro.
E o que ele pensou em fazer?
Procurar um advogado para processar o banco e resolver seu problema.
Vale a pena processar o banco?
Tenho defendido que a ação ação judicial é um dos caminhos possíveis para a solução de dívidas bancárias, mas não necessariamente o melhor.
No geral, a ação judicial é mais efetiva quando você também tem uma boa estratégia negocial com o banco.
Além disso, a ação judicial só deve ser ajuizada quando de fato houver fundamentos para tanto.
Sozinha, a ação judicial acaba resolvendo o problema do devedor apenas em alguns casos, sendo necessário recorrer à negociação estratégica com o banco.
Eu sempre digo isso a clientes que costumam me procurar já com a ideia preconcebida de que é necessário processar o banco para resolver a sua dívida.
Em todo caso, mesmo sentindo essa necessidade de “processar” o banco, muitos clientes têm um grande receio de entrar na tal da “lista negra”.
Dizem as más línguas que as instituições financeiras teriam uma lista secreta com o nome de clientes que ajuizaram ações contra bancos.
E se você entrasse nessa lista, não conseguiria um empréstimo, um financiamento, um limite extra no cheque especial ou qualquer tipo de benefício junto aos bancos.
Mas será que essa lista existe mesmo?
E como ficaria a proteção dos dados pessoais dos consumidores diante dessa possibilidade?
Essa publicação vai trazer resposta a todas essas questões.
Afinal: existe mesmo a lista negra para devedores que processam bancos?
E o que seria essa lista negra?

Circula no mercado, já há muitos anos, a “notícia” de que os bancos manteriam uma lista negra.
Esta incluiria os nomes de todos os clientes que entrassem com ações judiciais contra os bancos.
Em especial a famosa ação revisional.
E quem estivesse incluído nessa lista não teria mais acesso a crédito bancário.
Como professor de direito bancário, sou frequentemente questionado por meus alunos sobre a existência de uma tal lista.
E a resposta que dou é a seguinte: não faz sentido a existência de um registro desta forma.
Ao menos nos moldes que as pessoas afirmam existir.
Na verdade há muita confusão e desinformação a respeito deste assunto.
Se não tem lista negra, o que que de fato existe?

Todo tipo de crédito liberado pelo banco passa por algum tipo de análise prévia do cliente.
São as chamadas “análises de crédito”.
Os bancos avaliam o risco de inadimplência e decidem se vão emprestar e qual o valor possível de ser emprestado, com base nesta avaliação.
Para isso levam em conta, em especial, o histórico daquele cliente na instituição.
Os bancos também têm acesso a informações consolidadas pelo Banco Central.
Estas informações refletem a situação do cliente nas demais instituições do mercado financeiro.
A decisão de emprestar é baseada fundamentalmente nestas informações.
Em operações envolvendo valores maiores, também há uma avaliação personalizada, que pode contar com o parecer de um analista do banco.
A análise de crédito é feita com base em critérios objetivos?
Nem sempre o banco leva em conta só as informações objetivas para determinar se o crédito será concedido.
Por exemplo, é possível que um gerente “marque” informalmente uma empresa ou uma pessoa, restringindo o seu crédito em função de uma avaliação subjetiva dos riscos do banco.
Ele pode até negar o crédito com base neste tipo de avaliação.
Outra situação possível, em casos mais complexos, envolve até uma visita do agente do banco ao cliente, com anotação de impressões pessoais.
E aqui entra o nosso questionamento da lista negra.
É perfeitamente possível que um gerente leve em consideração o fato do cliente ter processado um banco para negar o crédito a um cliente.
Esse tipo de informação é pública e de fácil acesso para o gerente do banco.
Mas isso não quer dizer que exista uma lista negra, de forma estruturada e institucional.
Negar crédito por este motivo vai variar de banco para banco ou até de gerente para gerente.
Afinal de contas, o banco não é obrigado a emprestar para ninguém, tendo o direito de escolher com quem vai fazer negócios.
Por que a lista negra não faz sentido
O fato é que se a lista negra realmente existisse, o mercado dos bancos seria cada vez mais restrito.
Se analisamos os dados estatísticos, verificamos que há cerca de 10 milhões de processos judiciais contra bancos no Brasil (segundo dados dos relatórios do CNJ).
Isso é cerca de 20% da população economicamente ativa que tem acesso a serviços bancários.
Seria uma insanidade deixar todo este contingente fora do mercado de crédito.
Tudo bem que não temos muitas opções, pois as 5 maiores instituições financeiras dominam mais de 80% do mercado.
Porém estas instituições seguem competindo entre elas e com outras menores.
Todo o movimento que têm feito é no sentido de ampliar o universo de clientes e não de restringi-lo.
É bem verdade que há muitas pessoas físicas e jurídicas que acabam sendo afastadas do mercado.
Mas por conta de dificuldades próprias e não por terem ajuizado uma ação judicial.
Se existisse uma lista negra ela seria ilegal

Se tudo o que se disse já não fosse suficiente, ainda há todo o sistema legal a demonstrar o absurdo da lista negra.
Em primeiro lugar, a própria Constituição Federal prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (Art. 5º, XXXV).
O Código de Defesa do Consumidor também veda que bancos tenham uma lista dessa natureza.
CDC, Art. 43 – “O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
“§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele”.
Portanto, o banco que aceitasse criar uma tal lista negra estaria agindo contra a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor.
Você até poderia pensar: Mas Márcio, os bancos descumprem a lei com regularidade.
Sim, isso é verdade.
Mas neste caso estariam inclusive praticando crime contra as relações de consumo.
É o que diz o Código de Defesa do Consumidor: Art. 73:
Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata. Pena: detenção de um a seis meses ou multa.
E acredite, bancos não gostam de se verem envolvidos em crimes.
Falo isso com base em minha experiência como gestor de departamento jurídico de banco, de quem já vivenciou o banco do lado de dentro do balcão.
Tudo isso sem falar no risco à reputação dos bancos, que é bastante valorado neste mercado.
Temos ainda a Lei de Proteção de Dados Pessoais

O tema da proteção de dados pessoais já está presente em nosso direito há pelo menos duas décadas.
Em agosto de 2018 foi aprovada a Lei Geral de Proteção de Dados, a Lei 13.709/2018.
Esta lei ainda não está em vigor, mas deve começar a valer em breve.
E ela será, certamente, um grande divisor de águas no tratamento deste assunto.
Vivemos uma verdadeira revolução quando o assunto é proteção de dados pessoais.
O mercado corporativo como um todo está se adequando a este novo marco legal.
Mesmo o gerente do banco, tomando uma decisão subjetiva e individualizada, precisará tomar os devidos cuidados com os dados pessoais do cliente.
Dois importantes fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais são o respeito à privacidade e a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem.
Deverá ser dado livre acesso ao titular dos dados, com consulta facilitada e gratuita, bem como será vedada a discriminação com base no uso e tratamento de dados pessoais.
Ou seja: sem espaço para qualquer tipo de “lista negra” dos bancos.
E as penalidades são bastante pesadas.
Prevêem multa de até 50 milhões de reais por infração!
Sim, isso é bastante dinheiro, até para bancos.
E tudo isso sem levar em conta outras indenizações que podem ocorrer na esfera judicial.
Se o banco está violar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais para inviabilizar uma operação de crédito, isso poderá gerar processos judiciais bastante desvantajosos para os bancos.
Conclusões
De tudo o que dissemos aqui, fica uma certeza: lista negra, de uma forma institucionalizada, não existe.
Ao menos esta é a convicção pessoal de quem está no mercado bancário há mais de 30 anos.
Iniciei em 1986 e já vivenciei muita coisa, podendo garantir que este assunto da lista negra é mais ou menos como o assunto do abominável homem das neves.
Muita gente diz que existe, mas até hoje não há uma prova inquestionável de sua existência.
Claro que sempre será possível que alguém tome uma atitude isolada e organize alguma lista informal.
Porém a lista negra não existe de forma institucionalizada.
O que existe são análises de risco de crédito bastante profissionalizadas.
Sim, pois os bancos brasileiros são bastante profissionais em termos de gestão de seus negócios.
E a regulação e fiscalização promovida pelo Banco Central é bastante rigorosa e eficiente.
Ainda mais em tempos de big data e inteligência artificial.