José R. havia decidido que não entregaria o carro para o banco.
Ela havia atrasado algumas parcelas do financiamento e o banco enviou uma correspondência, notificando do atraso.
Em seguida, ficou sabendo que o banco havia ajuizado uma ação contra ele e que o carro seria tomado.
Sabendo que o Oficial de Justiça bateria à sua porta, José R. levou o carro para a casa de uma tia, mas por incrível que pareça, o Oficial apareceu um dia no estacionamento do Supermercado e levou o carro.
Essa é mais uma das milhares de histórias de devedores de banco submetidas ao sistema de garantia dessas operações.
E neste momento de crise econômica, com aumento da inadimplência, muitas dessas histórias certamente irão se repetir para aqueles que não conseguirem adotar a estratégia de negociação certa com o banco.
Eu já havia publicado esse guia há um tempo, mas estou atualizando as informações e tornando o texto mais acessível ao público leigo.
Este é um guia rápido e seguro para você tomar as decisões certas e verificar se o profissional que você está contratando realmente pode lhe ajudar a solucionar seu problema.
Advertência sobre a busca e apreensão
Uma advertência importante: o que eu vou explicar aqui não valerá para sempre.
Este é um mercado em que as regras mudam constantemente.
Aliás, esta é a razão de alguns dos meus colegas colocarem seus clientes numa fria: não se atualizam.
Ao longo dos últimos vinte anos, advoguei para pessoas que têm carros financiados e também fui, durante quatro anos, funcionário de um banco que promove ações de busca e apreensão.
Minha experiência mostra que infelizmente são comuns situações de pouco profissionalismo.
E isso dos dois lados do balcão, mas principalmente do lado dos advogados dos clientes do banco.
É comum ver colegas que não se atualizam, e ficam insistindo em teses jurídicas que já estão superadas nos tribunais, prometendo o que não podem cumprir e causando prejuízos para seus clientes.
Quem nunca viu a famosa promessa: “Baixe agora o valor do seu financiamento em 70%”.
Pois é, por mais que realmente seja possível, em muitos casos, chegar a este patamar de desconto através da negociação com o banco, cada caso é um caso.
Esse tipo de promessa é tão irresponsável quanto pegar a causa do cliente sem conhecimento técnico especializado em Direito Bancário.
Meu objetivo aqui é demonstrar o que chamo dos “7 mitos sobre busca e apreensão de carros financiados”. Ou, simplesmente, os 7 mitos da busca e apreensão.
Daí, vou atualizando as informações neste artigo.
Quando tivermos uma alteração mais significativa nas regras, faço um novo guia atualizado.
Lembrando que não vou entrar em muitos detalhes jurídicos (o “juridiquês” como as pessoas dizem).
Minha preocupação é te dizer como as coisas são e ponto.
Mas se você quiser saber mais detalhes (porque as coisas são como são, ou de onde vêm essas coisas) me escreva que te respondo com o maior prazer, dentro daquilo que eu sei.
Da mesma forma, se você é um profissional do direito, e quer discutir os aspectos técnicos, me escreva que será um prazer tratar deste assunto num nível um pouco mais aprofundado.
Mito # 1 – Os juros superiores a 12% são abusivos e podem ser revistos na Justiça
Essa limitação de juros a 12% ao ano até já valeu no Brasil e talvez por isso muita gente ainda acredite nesse mito.
Na Constituição Federal de 1988 havia a previsão expressa de que os juros reais estariam limitados a 12% ao ano.
Mas esta limitação caiu em 2003!
Então durante um tempo muita gente conseguiu mesmo reduzir seus juros a 12% ao ano e em vários casos o banco teve até que devolver dinheiro ao cliente.
Mas como essa regra não existe desde 2003, os bancos podem sim cobrar mais do que 12% ao ano.
Mas há uma limitação!
A taxa cobrada deve ficar na média do mercado, segundo ditado pelo Banco Central.
Existe inclusive uma súmula do STJ (Superior Tribunal de Justiça) – que é o tribunal de Brasília responsável por unificar as decisões, entre outras, sobre direito do consumidor – autorizando a cobrança de juros segundo a média estipulada pelo Banco Central.
Esta súmula vale desde 2004, e diz assim:
Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.
Se quiser saber mais sobre isso, eu fiz uma publicação sobre o tema: Como os Juros Abusivos afetam a vida do empresário brasileiro
Neste artigo eu ensino inclusive a acessar o site do Banco Central e encontrar a taxa média de mercado, para você avaliar se a taxa que o banco está cobrando é ou não abusiva.
Mito # 2 – Os bancos não podem cobrar juros sobre juros
Este é outro mito que também já está superado, mas infelizmente ainda vejo muito advogado sustentando esta tese e prometendo sucesso para seus clientes.
Infelizmente, o banco pode cobrar juros sobre juros sim!
É a chamada capitalização, também conhecida como anatocismo.
O STJ tem súmulas permitindo a capitalização de juros com periodicidade inferior a 12 meses em contratos realizados a partir de 31/03/2000 (Súmula 539 e a Súmula 541, ambas do STJ).
Na prática, o que importa é o seguinte: se o seu contrato com o banco foi assinado depois de 31 de março de 2000, o banco pode te aplicar a capitalização mensal.
Você só ganha isso na justiça se o banco cometer um erro no processo, ou seja, se você tiver sorte.
Logo, não acredite em quem TE GARANTE que é errado o banco cobrar juros capitalizados, porque, pelo menos a partir de 31 de março de 2000, eles podem fazer isso sim!
Mito # 3 – A comissão de permanência é ilegal
A comissão de permanência também é conhecida como “taxa de remuneração de atraso”.
Essa é uma taxa que está prevista nos contratos e que o banco pode te cobrar quando você atrasa o pagamento.
Mas é preciso tomar cuidado, porque não é a comissão de permanência que é proibida.
O que é proibido é o banco cobrar, de uma só vez, a comissão de permanência e a multa e os juros de mora (juros pelo atraso).
No passado, de fato, houve abusos na cobrança da comissão de permanência.
Os bancos, além de multa e juros de mora (pelo atraso), ainda cobravam essa taxa.
E se o cliente questionava esse tipo de cobrança na Justiça, era comum o juiz considerar a cobrança abusiva.
Por isso, muitos ainda acreditam que a simples cobrança da taxa é abusiva e até usam como argumento em ações judiciais.
Na prática, é muito difícil que um banco faça a cobrança da comissão de permanência junto com a dos juros remuneratórios e moratórios.
Aliás, desde 2012 o STJ determinou, por meio de súmula, que a cobrança é legal, desde que não ultrapasse a soma dos encargos remuneratórios e moratórios, ou seja, os juros já previstos no contrato (Súmula 472, STJ).
Mito # 4 – Os bancos só podem entrar com busca e apreensão depois de três parcelas em atraso
Essa também é uma lenda urbana que foi se formando com o tempo.
É uma crença perigosa, porque o devedor conta com um prazo para resolver o problema que ele, de fato, não tem.
E como essa “lenda” se formou?
A partir de 90 dias de atraso (3 parcelas), os bancos passam a dar um outro tratamento aos contratos.
E fazem isso por saber que, estatisticamente, muitos casos se resolvem antes de completar 90 dias de atraso.
Os bancos tentam de toda maneira resolver as pendências amigavelmente antes dos 90 dias.
Resolver de forma amigável é mais barato e mais rápido.
Depois disso, eles passam a considerar a via judicial.
E a partir daí, digamos que as coisas já não são tão amigáveis assim.
Aliás, se você tem como botar em dia seu contrato, a chance de conseguir uma condição mais favorável quando se está próximo dos 90 dias de atraso é maior.
É o momento que você consegue dispensa da multa, dos juros ou da comissão de permanência (lembra do item anterior?).
Mas isso não é uma regra fixa.
De acordo com o contrato que você assinou e com a lei que regula a busca e apreensão, nada impede que o banco entre com a ação para pegar seu carro no dia seguinte ao do vencimento da primeira parcela.
CLARO que isso não é comum.
Entre o dia que o banco decide ajuizar sua ação e o dia que o oficial de justiça vai bater na sua porta, geralmente leva um tempão.
Claro, existem exceções, seja por agilidade do foro (o que é meio raro), seja por “interesses” que a gente ouve falar e que fazem as coisas andarem mais rápido.
Eu já acompanhei um caso em que a ação de busca e apreensão foi ajuizada e no mesmo dia o juiz deu a liminar, o mandado foi expedido e o bem apreendido.
Com o tempo, estabeleci uma média, com base na experiência, de 5 meses entre o atraso da primeira parcela e o dia que o carro é apreendido.
Mas preciso frisar: É REGRA, QUE COMPORTA EXCEÇÕES.
A dica aqui é: se você sabe que não vai conseguir pagar ou já ficou devendo, já procure aconselhamento profissional, porque esse prazo pode ser menor.
Mito # 5 – A notificação para busca e apreensão tem que ser feita no cartório da cidade do devedor
Para ajuizar uma ação de busca e apreensão, o banco precisa antes notificar o devedor formalmente do atraso.
Até 2014, a notificação tinha que ser feita através do Cartório de Títulos e Documentos.
Agora, basta que o banco te mande uma carta registrada.
Se qualquer pessoa no seu endereço receber a correspondência, o banco já pode entrar com a ação de busca e apreensão.
Portanto, se você tem alguma ação judicial em que o argumento de defesa é que o banco não te notificou formalmente pelo cartório, saiba que suas chances no processo são mínimas.
Não se iluda: quem te disser diferente disso ou está mal informado ou está querendo tomar o seu dinheiro.
Mito # 6 – Enquanto eu não receber a notificação do banco, posso ficar tranquilo
Aqui temos outro erro muito comum.
Muitos pensam que para fazer a busca e apreensão o banco precisa notificar pessoalmente o devedor e que este é o único meio possível de notificação.
Se fosse assim, então bastaria o devedor se esconder (ou esconder o carro) e orientar as pessoas para não receberem nem assinarem nada que venha pelo correio.
Ele estaria a salvo, certo?
Errado!
A verdade é que vai cada vez ficando mais fácil para o banco fazer a notificação do cliente.
Antes, o banco precisava notificar pelo Cartório de Títulos e Documentos.
Só pelo nome você já vê que tinha formalidade.
A notificação do Cartório podia ir pelo correio.
Caso a pessoa não fosse encontrada, o banco podia tentar fazer uma notificação pessoal, com o oficial do cartório.
E se ainda não conseguisse encontrar o devedor, ainda podia fazer o protesto e notificar por edital.
Mas a lei mudou esse sistema de notificações.
Desde 2014, com a mudança na lei, não precisa mais da notificação pelo Cartório de Títulos e Documentos.
Basta que o banco envie uma carta simples pelo correio, com Aviso de Recebimento.
E outra mudança muito importante: não precisa mais da assinatura do devedor na carta registrada.
Basta que qualquer pessoa no endereço receba.
Inclusive o porteiro, caso o devedor more em condomínio.
Ou seja, ficou mais fácil para o banco conseguir notificar o devedor já pela carta, sem precisar recorrer às próximas etapas (notificação pessoal, protesto e edital).
Fica claro aqui que a mudança na lei privilegiou (e muito) os bancos, agilizando o procedimento da busca e apreensão.
Mito # 7 – Se eu depositar o valor que entendo devido a busca e apreensão tem que ser suspensa
Por fim, um ponto que em alguns casos até funciona, mas que não pode ser considerado uma garantia em todos os casos.
Antigamente, bastava entrar com a ação revisional para discutir os juros e os juízes, com raras exceções, impediam o banco de apreender o carro e de colocar o nome do cliente no SERASA, SPC e afins.
Depois, a coisa foi apertando e alguns juízes passaram a exigir que o devedor depositasse em juízo o que estava vencido.
“Depositar em juízo” é uma forma de garantia, pois se o banco ganha a ação no final, já tem o dinheiro para pagar a dívida, ou ao menos parte dela.
Se o cliente ganha, o dinheiro pode ser sacado de volta.
Ocorre que desde 2008, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) adotou uma posição diferente e mais dura com relação ao devedor.
Além de entrar com a ação e depositar o valor em juízo, o devedor agora tem que demonstrar se a cobrança do banco é indevida, conforme o que está previsto na lei e nas decisões já tomadas pelos tribunais superiores (jurisprudência consolidada do STF e STJ).
Caso queira conferir o posicionamento do STJ, confira a decisão aqui.
E é aqui que está o problema.
Já vimos acima que o banco pode cobrar mais de 12% ao ano, que pode cobrar juro sobre juro, que pode cobrar comissão de permanência, que pode te notificar apenas te mandando uma carta com AR, etc.
Ou seja, na maioria dos casos, o banco está cobrando valores corretamente, conforme a lei e o entendimento dos tribunais superiores.
Provar para o juiz que a cobrança é indevida nem sempre é fácil!
E, claro, os bancos não são ingênuos, eles vão se adequando para que não seja feita uma cobrança indevida.
Afinal, mesmo cobrando só o que é autorizado pela lei e pela Justiça, eles já ganham muito dinheiro!
Dessa forma, o devedor não consegue uma decisão liminar para tirar seu nome dos serviços de proteção ao crédito e impedir a busca e apreensão.
Então, o que interessa: não basta somente depositar o que o seu advogado disse que é devido.
A chance de conseguir uma liminar até existe, porque alguns juízes não aplicam à risca o julgado da Ministra Nancy Andrigui.
Mas a maioria dos tribunais estaduais o aplica, e aí o devedor está em apuros.
Portanto, uma vez mais, desconfie de quem promete que não tem erro.
Cuidado, pois os mitos são usados como promessas milagrosas
Em resumo, os 7 mitos mais comuns quando se trata de busca e apreensão de carro financiado são:
- Mito # 1 – Os juros superiores a 12% são abusivos e podem ser revistos na Justiça
- Mito # 2 – Os bancos não podem cobrar juros sobre juros
- Mito # 3 – o comissão de permanência é ilegal
- Mito # 4 – Os bancos só podem entrar com busca e apreensão depois de três parcelas em atraso
- Mito # 5 – A notificação para busca e apreensão tem que ser feita no cartório da cidade do devedor
- Mito # 6 – Enquanto eu não receber a notificação do banco, posso ficar tranquilo
- Mito # 7 – Se eu depositar o valor que entendo devido a busca e apreensão tem que ser suspensa
Perceba que os mitos correspondem a muitas promessas divulgadas por empresas de negociação e profissionais.
Por isto esteja atento para não comprar gato por lebre!
A gente pode até discutir se as decisões judiciais são justas, se são corretas, etc.
Isso é matéria para outro post.
O fato é que o Poder Judiciário tem decidido assim e lutar contra isso é pura perda de tempo e dinheiro.
O que fazer para não perder meu carro?
Ora, se as promessas de solução não resolvem o problema do devedor, fica a impressão que não há o que fazer, só sentar, chorar e esperar o banco vir tomar o carro.
Será que existe uma solução?
Claro que existe!
Tenha em mente que não é impossível conseguir uma liminar para impedir que o banco faça a busca e apreensão.
O que os juízes têm aceitado como argumento é a cobrança de taxa de juros abusivos.
Nesta publicação eu ensino a descobrir quando a taxa de juros é considerada abusiva.
E mesmo que a saída judicial não seja seu caso, ainda temos a alternativa da negociação.
Muitos não acreditam em negociação.
Acabam desenvolvendo essa crença contra a negociação porque procuram o banco por conta própria, sem estratégia, sem conhecimento das artimanhas usadas pelo banco.
Fica a impressão de que o banco não quer fazer concessões.
E aí dão com os burros n’água.
Nossa experiência tem mostrado que em casos como esse o banco tende a preferir a saída negociada, evitando os custos, a demora e a dor de cabeça de uma ação judicial.
Talvez seja o caso de você procurar um profissional de negociação com bancos.